quarta-feira, 3 de agosto de 2011



ACOSTUMAMENTOS








minha mãe sempre foi explosiva e intolerante (contava o velho na fila do banco) e mais de uma vez paguei pelo gênio dela. 
na infância, os moleques da minha rua não só evitavam ir na minha casa como também não eram bem vindo quando minha mãe estava lá.  
ela fechava o cenho, media a visita de cima a baixo e não falava nada. nem respondia aos bons dias.
quando ela passou a distinguir certos odores (mamãe sempre foi boa de faro) na rapaziada, esculhambava: ‘você não vai sair daqui com esse fumeta emaconhado!” 
não saia. evadia o desavisado perplexo.  
estive com mamãe em muitos momentos de conflito. 
eu estava com ela na vez em que passaram com um carrinho na feira bem em cima do seu pé. 
outra feita, fui com ela cobrar um inquilino que ficou devendo meses de conta d água para ela. soltava o verbo.
um dia minha mãe emprestou a panela de pressão para a dona antonieta pela ultima vez.
dona antonieta era a vizinha de muro que já estava lá, dou outro lado, quando fomos morar naquela casa que meu pai ergueu. era tudo mato...
e dona antonieta se encantou pelo tchuf-tchuf da panela de pressão. botava a carinha no muro e pedia a panela emprestada para fazer um feijão, cozinhar uma batata, pasmem,  fazer peixe. minha mãe sempre emprestava com recomendações, mas, essa ultima vez, a panela voltou com a borracha toda arregaçada, totalmente distorcida e sem encaixar na tampa.
e dona antonieta voltou ao muro, dias depois, pedindo a mesma.
ouviu uma descompostura de minha mãe: relaxada, porca, folgada...
não lembro bem os termos. a verdade é que nem lembro se isso aconteceu.
só sei que a panela foi negada e dali se fez uma inimizade. 
inimizade tal que todos de minha casa foram contagiados pela raiva de minha mãe nunca mais dirigimos a palavra para a dona antonieta. 
atravessávamos a rua quando a víamos. dona antonieta não deixou por menos e, bastava ouvir o tilintar dos pratos e dos talheres sendo postos para o café da manhã que ela começava a escarrar durante os exatos dez minutos, mais ou menos, em que tomávamos nossa vitamina de abacate com pães e manteiga.
escarrava. escarrava. CRRRRRRRRRRRRRR. alto.
estranhamos nos primeiros dias (não lembro).
indignamo-nos nos seguintes.
xingamos alto também, no decorrer dos meses em que aquilo prosseguia.
acostumamos-nos.
aquele ritual matinal durou anos sem eu saber se aquilo aconteceu mesmo.
mas eu não duvido que a dona antonieta fizesse aquilo por  culpa de minha mãe.





Nenhum comentário:

Postar um comentário

muito obrigado por comentar neste blog. só não esqueça que a trema caiu e que berinjela é com J! não leve a mal. estou avisando para que você não passe vergonha na frente dos outros comentaristas.