quinta-feira, 27 de outubro de 2011





ARQUIVO ZIPADO EM VALTER HUGO FILHA DA MÃE







...foi como dar pele a um poema e trazê-lo a luz do dia, tocando meu cotidiano, afinal, mágico que me é dado a levar. e foram umas quantas fogueiras que eu quis correr riscos ainda maiores. sonhei um mundo, sendo ambicioso perante o impossível. então comecei a ver que isso de os poetas nos roubarem a alma não é coisa decente, pois aquilo de poesia leva muita mentira. fui perceber o quanto me era abominável o seu mundo organizado como um percurso de tarefas profissionais. e eu no meio, igual ser preciso tratar da limpeza ou pagar as contas da luz. apenas mais uma tarefa. a minha era administrar as saudades e o amor com uma leveza que, para mim, parecia um paradoxo e uma falta grande de amor próprio, como um mendigo. e ela dizia:  'é só o medo, augusto, não é gente. é o medo que se põe com maneiras de o apanhar. não vamos deixar que isso aconteça.' e eu ficava aterrado como  ficava desde pequeno quando as situações eram maiores do que meus pensamentos e o meu coração não sabia como parar de sofrer. não dava para meu coração sentir menos coisas.
ai, um não sei que de sentimento me derrotou naquela tarde.
e eu quis que o romantismo fosse uma coisa feita de merda e saísse do cu de algum bicho estupido. desfiz-me em átomos. refeito, vi que a vida é só isso: um novo modo de ter saudades, ou de lhes sobreviver.





sexta-feira, 21 de outubro de 2011













dia bom de veranico. o almoço foi sanduiche de queijo e tomate ao forno, goiabada e copos de leite doce.
ontem eu não lembro bem o que comi ou se estava sol, mas lembro que vi uma libélula voando perto da minha casa.
e outra. e outra. e mais outra.
elas iam passando em velocidade, desviando dos muros, carros e pessoas que se opunham.
fiquei parado olhando aquele transito inusitado e algumas pessoas que me olhavam pensando no que eu estava olhando.
mas nenhuma das pessoas que eu vi passar ali perceberam as libélulas.
e eu me senti tão rico. tão sortudo de me ser, que eu senti muito.
hoje elas também estavam lá, passando na frente de casa.
parei de conta-las no quatrocentos e setenta e dois. devem ser milhares.
me deu tanta vontade de saber da onde elas vinham, que eu escrevi pra me lembrar:



ando em passos vagaros
para ver os pássaros
e o bando de libélulas
verdes e belas
que vão ali ao meio dia.
o sol na pele de short
é refeição farta e forte,
 impele a fazer poesia.





segunda-feira, 17 de outubro de 2011


                                                                           









                                                                              I                                           

certa feita esteve em monteiro, distrito da paraíba, um cirurgião barbeiro.
em vez que ele chegou, o povo ainda não sabia disso.
entrou na cidade pela praça em manhã parada e poeirenta.
os símbolos em sua carroça fizeram soprar o vento da curiosidade na mente de quem viu ele chegar.
parou em frente a venda de firmino, entrou e saiu de lá trazendo uma bacia de água para o cavalo e uma grapette.
pôs a bacia ao alcance do bicho e foi beber na soleira da porta.
dava pra ver firmino com a mão no queixo lá atrás, parado no meio da venda.
liquefeitos, um subiu no outro e se foram para as bandas da roça.


                                                                              II
três e meia da tarde, venâncio chegou dizendo à mulher que tinha visto acampamento na região a loca quando vinha do trabalho.
parecia ser cigano. mas estava só... claro; tinha um cavalo.
socorro disse ao homem que o estranho tinha chegado pela manhã na cidade.
ercília tinha dito que era desses comunistas. ou errante. mas ele mesmo tinha tratado de se afastar.
nesse momento, vênancio quis que fosse mais.
tinha em casa ana. dezesseis anos. moça linda e transviada. ouvia radio e punha flores nos cabelos.
ana já sabia do homem da grapette. maria teresa tinha lhe falado.
ele curava coisas.

                                                                                III

foi nessa tarde mesminha que deolindo, filho do capitão borges, caiu na ribanceira enquanto perseguia um grupo de catitu.
foi o eremita que ouviu a gritaria lá no buraco e, pela inacessibilidade do local, correu para a cidade onde encontrou eustáquio, capataz da fazenda borges, tomando cachaça na venda de firmino.
rapidamente juntou ali na venda mesmo quatro homens que seriam o primeiro pelotão de resgate.
montaram em seus cavalos e tocaram galope para as ribanceiras, deixando o eremita em pé no meio da praça protegendo a cara do pó dos pés dos cavalos.
pobre quarteto precipitado e despreparado...
estavam a uma altura de vinte metros acima dos gritos do mancebo. precisavam voltar a fazenda para buscar cordas e ferramentas. só um voltaria.
outro mais afoito, tentou descer verticalmente pelas pedras. voltou ligeiro para a borda ao ver que ia mesmo era cair lá junto com o acidentado.

                                                                                  IV


esse só que voltou a fazenda, cruzou com outros grupos querendo salvar.
o homem da loca não ficou indiferente. sabendo do acidente, foi ate o baú que que era a sua carroça e separou o material necessário. fez uma trouxa da qual acomodou nas costas, desatrelou o cavalo e seguiu para a movimentação. lá chegando, tratou de desmontar a tralha: dobradiças, roldanas, ganchos...
fez nós firmes dentre os ferros e desceu buraco a baixo sem dizer palavra.
ele mesmo veio puxando a corda que o trouxe junto com o caçador incauto direto para a carroceria de uma volkswagen que estava por ali. foi junto.
fez talas, emplastros e orações na casa do capitão.
com o doente dormindo, saiu de lá sem nada aceitar.
disse que deus ajuda, montou no cavalo e se foi.

                                                                                 V

quatro dias depois, o próprio capitão foi ter com o estranho.
disse que o filho estava sarando rápido 'gracas a sua intervenção' e naquele momento estavam sendo mortos três garrotes para a comemoração da melhora.
intimado, o salvador disse sim. a noite estaria lá.
e foi nessa noite de festa que o forasteiro conheceu ana. ele disse à ela ser uruguaio, criado com um avô médico, mas quis ser marinheiro. foi até na china!
ancorado em salvador, ficou. disse à ela de luas, de ventos, de flores, homúnculos e riquezas.
vênancio nada gostou dos risos da filha.
acabou com a festa à agressão. foi pra cima dos dois, estapeando ana na frente de todos.
o capitão disse não admitir aquilo ali. apoiou e deu guarida para o estranho.
o nome dele?
era ivam. 

                                                                                       VII

todo mundo via ivam nas cachoeiras, bebendo grapette e brincando com as crianças. curou a gagueira de melquisedeque!
ivam... para onde foi?
e foi a partir desses acontecimentos que, quatro meses depois, ana pariu o primeiro anão que o distrito de monteiro já tinha visto.




sexta-feira, 14 de outubro de 2011





meu sonho se origina
nos grandes lábios 
da menina
que tem a boca maçuda,
uma bela duma bunda,
a pele leitosa
e goza.

ela cutuca
a minha bermuda
de dentro
pra cima.
essa menina
muito me anima.

no seu corpo
fico absorto.
pêlos macios,
caminhos
das suas costas,
me acalma.
 a minh´alma gosta

agora acredito
que o que por ela sinto
todo vai me devorar.
mas antes,
a mim ela vai saciar!





terça-feira, 11 de outubro de 2011






A FAZEDORA DE ANJOS









a morte daquelas crianças foi o que fez toda a diferença.
prestes a fazer o juramento de hipócrates, penso nos sacrifícios que mãe (e tantas outras) fez para esse momento acontecer.
eu morava com pai e mãe em um terreno onde hoje é um dos bairros de itaquera.
pai era vigia na cidade e para mãe cabia deixar a tapera onde morávamos, habitável.
tarefa árdua quando não tem água e luz. 
um dia pai não voltou para casa. e no outro também. e no outro.
dado o tempo, mãe saiu de manhã dizendo ir buscar pai.
no mesmo dia mãe voltou e contou que pai formou nova família. não mais voltaria.
eu era pequena e não estranhei.
em alguns meses mãe disse que nós duas iriamos embora do terreno por não mais poder comer comida de vizinho ou de caderneta de venda.
íamos para alagoas, onde mãe tinha pais e confiava. mas a vida muda já na rodoviária.
os parcos cruzeiros que os vizinhos arrecadaram e deram para mãe ir, se foram por um talho de gilete na bolsa dela.
mãe ficou pálida, mas não deu palavra. um homem que passava viu o rasgo na bolsa e na cara de mãe.
falou cuidados e deu dinheiro para passagens. não tanto para alagoas.
desembarcamos em uma pensão para mulheres no centro de santos.
mãe fazia serviços para a senhoria quando acabou o soldo da primeira semana de hospedagem.
ela era velha e loira. falava enrolado e fumava salem. lá também moravam oito mulheres que nem sempre eram as mesmas.
logo mãe arrumou fazer limpeza em casa de outros. eu ficava na pensão aos meus cuidados, com quem lá estivesse.
lá era bom brincar com as crianças da rua e no quintal arborizado da pensão. as mulheres me riam e davam doces.
mãe também era boa com elas. quando estava na pensão lavava roupa, olhava outras crianças e tratava delas quando adoeciam.
mãe de mãe era parteira e benzedeira em alagoas. mãe tinha a natureza igual e administrava chás e unguentos para quem precisava.
vai ano, chega um pacote para mãe na pensão. eram livros. 
mãe tinha recortado a foto novela da madame e se inscrito no curso de enfermagem do instituto universal brasileiro.
fiquei de contentamento sonhando historia de sucesso pra mãe, igual eu via nos quadrinhos do gibi que eu lia.
mas mãe não recebeu o certificado porque não tinha dinheiro para quarta parcela em diante e o troco daquelas ousadias foram os doze cadernos do primeiro módulo do curso que não seriam devolvidos. eram as coisas mais valiosas do nosso quarto de pensão.
mãe pôs em uma prateleira onde nosso braço alcançava. ela sabia que eu tinha bons modos e cuidava. ela que fez.
as figuras do caderno me atraiam deveras; ossos, músculos, orgãos... tudo era diferente do pateta.
a partir dessa feita, mãe passou a ficar muito mais tempo em casa escutando as mulheres e administrando sua sabedoria que tinha sido ampliada pelos livros do iub.
eu ajudava mãe quando elas vinham. mãe nunca me mandou sair. mãe só cuidava de mulheres.
elas chegavam com seus respectivos sintomas e mãe as sarava com pomadas e garrafadas  que ela preparava com varias ervas da serra e por isso recebia o que elas podiam dar. o entra e sai da pensão aumentou muito.
logo mãe pode alugar outro quarto no casarão. e era nesse quarto que ela realizava a 'tira do bebê'.
todo dia de manhã, vinha mulher de cara triste para aquele quarto. 
eu ajudava mãe a tirar os brotinhos (é assim que eu penso neles. até hoje) das mulheres.
elas nada sentiam, dado o chá que que mãe mandava elas tomarem semana antes.
vi alguns até de braçinho. eu só lembrava dos desenhos do caderno. fases da gestação.
assim foi por décadas.
e toda a família santista, rica e pobre, tinha em suas fileiras uma mulher atendida por mãe e a respeitavam como 'a bruxa do marapé'.
certa vez,eu já adolescente, um pai de moça, agradecido, compromete-se a pagar escola que eu quisesse.
cuidei disso também.
hoje, mãe bem velinha, me vê virar anjo.
formei-me obstetra.






segunda-feira, 10 de outubro de 2011















essa história começa com adão.
dizem que, no principio, ele era hermafrodita, um gigante andrógeno.
Ele o criou macho e fêmea e os chamou adão.
quatro braços, quatro pernas ,duas cabeças, dois conjuntos de órgãos sexuais, dois corpos unidos...
e Ele dividiu adão em dois seres.
um macho e outro fêmea.
adão e lilith.
lilith foi a primeira esposa de adão.
ela era poderosa e inteligente.
afinal de contas era ele...
um ele mulher.
quando faziam sexo, ela insistia em ficar por cima. uma posição de igualdade, de superioridade.
lilith foi expulsa do éden e plantou seu próprio jardim. dizem que ele copulou com demônios, ou com os filhos dos deuses, e teve muitos filhos.
e adão ficou sozinho.
foi então que Ele criou a segunda esposa.
Ele a criou para adão a partir do nada.
ossos primeiro, depois órgãos internos, então carne, músculos, tendão, gordura, bílis, olhos, catarro, pele, cabelo, hálito...
adão não aguentava chegar perto dela.
ele não a tocava.
ele a viu cheia de secreções e sangue.
corpos são estranhos.
algumas pessoas tem sérios problemas com as coisas que acontecem no interior deles. você descobre que dentro de alguém que você conhece só há muco, carne, limo e ossos.
as vezes isso acaba com o romance.
as opiniões diferem com o que aconteceu com ela.
a maioria diz que Ele a destruiu, alguns afirmam que ela teve permissão de deixar o jardim sozinha.
ela nunca teve um nome.
depois disso, Ele pois adão para dormir, tirou uma costela sua e, a partir dela, criou eva e adão só despertou quando ela estava completa. ele viu eva perfeita a tomou-a como esposa.
mas eles comeram da árvore do bem e do mal e, conhecendo essas duas forças opostas, não estavam mais no paraíso.
no gênese é declarado que Ele expulsou-os porque teve medo; medo de que, tendo desobedecido à Ele uma vez, poderiam desobedecer novamente e comer da árvore da vida novamente e viverem eternamente como deuses.
adão e eva viveram juntos até que a morte os separou.
alguns dizem que esta é a verdadeira história e que existiu um paraíso terrestre.
outros afirmam que a história é uma metáfora; o fruto agridoce da sabedoria.
mas isto é verdade: adão teve três esposas.
lilith deu à luz as coisas que assombram as noites dos filhos de adão desde então.
mãe de muitos...
a sem nome, a virgem, esquecida, talvez friamente destruída e não mencionada, salvo no mais empoeirado dos livros.
eva viveu para ser mais velha que qualquer mulher.
não morreu, mas retirou-se para sua caverna. culpada pelo pecado, pela miséria , pela queda...
mas alguns dizem que adão só se casou uma vez.
e isso também é verdade.










quarta-feira, 5 de outubro de 2011



MULHER-DIABA




desdenho do seu desenho,
que você acha tão bonito.
já não acredito nas falas
que me escreves
e não crava.

as nossas músicas únicas,
já não unem dizem nada.
é com farta alegria
que te lembro só depois 
do meio dia.

e ainda tem a melhor:
eu fiz essa poesia
pra dizer que és de lira.
você é a musa maior!
e que é mentira.




segunda-feira, 3 de outubro de 2011


CRIMES PASSIONAIS





[3.jpg]



almerindo acordou um pouco mais cedo aquele dia.
levantou com cuidado para não acordar a esposa e se enfiou lá pro banheiro.
cagou, se escovou e foi tomar seu café.
na mesa, esperando a cafeteira velha passar o pó, devaneou as possibilidades que lhe
poderiam ser abertas naquele dia.
essa geladeira velha mesmo, cheia de conta pregada, vai rodar.
tomou só o café, pôs o sapato no pé e ganhou a rua.
desceu a ladeira já movimentada pelo povo que segue para o trabalho às sete e quarenta e cinco.
ascendeu um cigarro quando já ia chegando no ponto e lá sorveu sua nicotina, sem o bandeira
passar.
quando veio, conseguiu subir. não passou a catraca. ficou ali em pé observando cada rosto
dentro do ônibus. e não eram poucos. atentou-se especialmente a uma senhora de uns cinquenta e
poucos anos em pé lá no fundão. poderia ter menos. cheia de sacola. era ambulante. 
estava ali carregando sua mercadoria, pesada como a vida.
almerindo formulou uma vida toda para a tiazinha, mas esbarrou nas dúvidas que fariam com
que ela não estivesse dentro desse busão lotado agora.
onde estavam seus pais? seus filhos? o marido que deveria dar-lhe uma vida estável para que
ela não estivesse aqui camelando? ficou puto com a tiazinha. teve a impressão que ela era
uma pessoa insuportável!
na altura da ibirapuera, livrou um lugar. preferiu continuar em pé. não ia trabalhar mesmo
aquele dia. ia andar pela cidade atrás de um sinal. uma certeza. sei lá...
desceu no final e já subindo as escadas rolantes, resolveu que iria dar um rolê no anhangabaú.
almerindo, que não queria fazer nada hoje, só bater perna, achou o lugar aprazível para sentar
e continuar com suas análises faciais. sentou ali no jardim da são bento e ficou vendo o povo
passar. viu o empresario, o oficce-boy e a vendedora. foi obrigado a ver também a puta.
não mais de trinta anos. com o peso de sessenta. lembrou da tiazinha do buzão e pensou também nos
pais da puta. ficou ansioso sem saber. quis sair dali e saiu. entrou pela direita e andou até
a florêncio. ia dar uma olhada nos equipamentos de seu possível açougue. almerindo era
açougueiro. dos bons. desde menino na pecuária. em são paulo fez carreira no extinto eldorado. 
o empresário comprou a rede e ele foi dispensado. desde então só bicos nos
açougues da quebrada. salário de merda. os dois filhos necessitosos. há meses não pingava
um trampo pra fazer.e só sabia fazer aquilo...
não teve muito ânimo pra fazer pesquisa de preços.
essa atividade tomaria seu tempo e sua atenção. isso não podia acontecer! 
estava atrás de um sinal.
virou à esquerda e se viu perto da estação da luz.
lugarzinho deprimente! bem lembrou quando desembarcou na rodoviária velha e seu
primeiro contato com são paulo foi a velha estação. já existia toda aquela fauna que por ali
circulava. se misturou às dezenas de pessoas que entravam no prédio e ficou debruçado na
passarela interior da estação, vendo o vai-e-vem dos trens. pensou em dona regina.
tocou o molho de chaves no bolso da calça e lembrou de seus meninos e do sinal. 
olhou para o teto da estação e deu um grito alto. gutural:  "ahhhhhh".
nem foi percebido. afora umas duas mulheres que se desviaram dele, no momento exato do
grito. no mais, tudo seguia como há minutos atrás. e  almerindo se foi...
pagou a passagem e pegou o trem rumo a estação estudantes, em mogi. lá descendo, comeu
numa lanchonete perto da estação e pegou o ônibus que tinha o nome anotado em um
papel, junto com um endereço e a data de hoje. desceu num lugar ermo; via-se que
por ali existiam muitas chácaras. ele ia em uma específica. andou pelas ruas de terra até o
endereço que tinha decorado. sacou o molho de chave, abriu o grande portão e adentrou-
se na propriedade. tinha também a chave da casa, que estava em total silêncio quando ele
fechou a porta atrás de si.
era uma casa muito elegante para aqueles cafundós.
subiu as escadas e falou num tom baixo: "dona regina..."
a resposta veio de um dos quartos: "aqui".
entrou no recinto suando frio e viu a velha senhora deitada na cama. muito abatida pelo
cancêr de cólon, drenando sua vida aos poucos. as altas doses de morfina já não lhe
atenuavam as dores. sem olhar para almerindo, a velha senhora falou: "você veio!"
"bem à contra gosto! rezei muito por um sinal que me dissuadisse dessa situação."
"eu rezei bem mais que você, almerindo. coma alguma coisa na cozinha..."
"já comi."
"você não tocou em nada da casa, né?
"não."
almerindo olhou para dona regina e cogitou estar naquela situação um dia.
se fosse hoje morreria a míngua em casa mesmo. sem dinheiro para remédio ou para os
devidos cuidados que aquela doença pedia. o que pedia aquela doença?
"então? vamos?" disse a velha senhora num fio de voz.
"vamos!"
"está tudo ali, dentro daquele armário. não esqueça as luvas."
"já estou com elas."
almerindo abriu a porta do móvel e lá estava uma pistola 765 com silenciador e uma grande
sacola com os noventa mil reais em dinheiro que tanto lhe afligira.
não mais naquele momento. pegou a arma e disparou duas vezes no peito da velha senhora ali
deitada.
botou a ferramenta dentro da bolsa de dinheiro, desceu as escadas e saiu da chácara chorando.



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'cara, mataram o amintas!'
foi assim, seco, que o nogueira me deu a noticia da morte do nosso amigo de infância.
morávamos todos em osasco e ainda existia o campão e o eucalipal  que circundava todo aquele terreno abandonado .
era lá que faziamos nossas brincadeiras: policia e ladrão, futebol, rally de bike.
no verão íamos lá também a noite; pega-pega, esconde-esconde... as meninas também brincavam.
e foi por volta dessa época que percebi que o amintas teria problemas. enquanto alguem batia piquis, ele falava para a primeira cocota que via pela frente: 'vem por aqui que ninguém nos acha!' e não achava mesmo! se embrenhava nas arvores com a menina e la vinha o papo: 'fica ai abaixadinha que eu fico olhando se ele vem'. a menina abaixava e também olhava ele vindo. via o volume se formando no short do amintas cada vez mais próximo da cara. muitas gostavam. outras nem percebiam. mas também era comum algumas meninas voltarem correndo e gritando: 'não vou mais brincar! o amintas é um porco! vou falar pro meu pai..." e logo vinha ele com a mão no bolso e aquele sorriso que virou sua marca registarda. derretia qualquer um. era perdoado no ato.
fomos crescendo, e com o amintas, também foi crescendo a atração pelo sexo oposto. de forma descabida. 
com treze anos já era um rapazote taludo e sedutor. já tinha pego todas as menininhas da escola. morríamos de inveja das histórias que ele deixava subjetivamente no ar sobre suas aventuras amorosas. tenho certeza que ele comeu a paulinha da sexta série. ao resto da garpotada, restava  punhetas...
foi por volta dessa época que estourou a bomba: a dona estela tomou uma puta sova do marido que insistia em saber quem era o filho da puta que tava comendo ela em quanto ele saia para o trabalho.
o pega pra capar se estendeu para o meio da rua. lotada. as lapadas estralavam quando batia no corpo semi nu de dona estala. 
a pobre, não aguentando mais aquele martírio, entregou: 'amintas! é o amintas! ele, em sua pouca idade, é muito mais homem que você, frouxo covarde!' silêncio total. cadê o amintas que tava aqui?
tocou ligeiro pra casa e ficou esperando o corno chegar para mata-lo. ou a sua mãe.
mas ele não apareceu. nunca mais.
naquela mesma noite, enfiou tudo o que tinha dentro de uma perua (inclusive a dona estela) e sumiu no mundo.
no dia seguinte, amintas era o assunto da escola. ela veio ele com o sorrisão e uma nova mania: mulher casada.
'não pega no pé, não quer que leve na festa, não pede presente. é só arrebento! 
e ainda por cima, se me vê com outra, não pode falar nada...'
ficou malquisto pelos homens casados do bairro. a curiosidade das mulheres ficaram com fome. comeu também todas as coroas do bairro, desconfio até que minha mãe, que já não vivia assim tão maritalmente com meu pai.
cortei relações com o amintas na adolescência, quando ele arrumou um trabalho de continuo, comprou um carro e foi passar seu cerol em outras bandas. eu passei em um concurso da petrobras e fui morar em campos onde eu era devotadíssimo ao meu trabalho e formei família.
passados uns doze anos, voltei para são paulo para acompanhar a doença de meu pai que já ia terminal. transferido para a unidade de barueri, a casa ficava aos cuidados de rita, minha mulher.
qual não foi minha surpresa quando, naquela mesma semana, chego do trabalho e lá esta o amintas na cozinha da minha casa, gargalhando com a mulher da minha vida. fiquei pálido. senti um vazio no estomago, mas disfarcei aquele mal estar. cumprimentei o velho amigoi e fiz sala para ele até umas onze da noite, quando tive a brilhante idéia: 'vamu tomá uma lá no farol? que nem que antigamente...' ele topou e se despediu dizendo:
'prazer em conhecer, rita. logo eu volto para tomar esse café delicia que você faz novamente...'
pensei com meus botões: ' ah vai...'
ganhamos a rua.