sábado, 25 de fevereiro de 2012





POUCA
LETRA






e eu nem fui tão são...
eu fiz ela o sol do dia.
ser de paz. lua e mel.
fui ao som lá da rua.
era eu fã de ela nua.
mas eu nem via
que a luz do meu céu
era fel em vez de pão.
era só e tão não.
pôs um véu na
paz que me deu.
e ela se foi pra lá
com o meu mel...
sem nem ter
com que me ser,
fui à rua pra me rir
do dom que foi
sem ter um uso.
do céu sem sol.
da lua que me faz
ser o cão sem paz
que tu vês em mim.
triste assim.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012









se avexe não, meu tio.
a vida é um caudaloso rio
em qua a gente cava passagem.
e nessa viagem
contra ou a favor
nós vamos remar?
bom remador 
aceita o desafio
e aprende a distinguir
a terceira margem do rio.
sabe os sentimentos
que não sabemos identificar
mas que estão lá?
é uma espécie de premonição
que nos vem como sim como não
e as vezes vem como tristeza.
essa é a nossa maior grandeza.
essa chama que nos arde
e nos faz buscar a liberdade.
talvez não a do detido,
mas a de sermos compreendidos
pelos nossos entes queridos.
essa é a nossa missão.
meu tio; se avexe, não...




sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012







CARNIVAL






como eu vim parar aqui?
os homens me olham assombrados e urram. eu  não sei qual foi meu ultimo movimento, mas nem por isso, paro de dançar. minha ultima lembrança é ver o espelho embaçar quando refletiu meu rosto pálido e febril. a dias sinto meu corpo gritar como nunca antes. febre. queda de cabelo. fome. meu olho esbranquiça numa catarata acelerada. minha aparência assusta. tive essa mesma sensação ao ver cleide, minha esteticista de tantos anos, em nossa ultima seção de lifting. na minha profissão, o corpo é o essencial, é o produto que ofereço. e o cliente quer sempre o melhor... chocou-me o ar cadavérico que cleide trazia em seu corpo curvado.
pensei em aids, mas não comentei nada. discrição é tudo. senti seu toque pegajoso enquanto espalhava o creme no meu rosto. fechei os olhos afim de relaxar enquanto ela trabalhava.  foi nesse momento que cleide me mordeu. levantei assustada e sem acreditar no desparate da situação. cleide sempre foi amiga e confidente. sabia que era casada e tinha amantes. tinha uma libido incontrolável pelos homens. o que significava aquela investida?
'sua louca! o que pensa que esta fazendo? virou bicha agora, é? porra! que merda, cleide! como vou trabalhar com essa marca no pescoço?' ela me olhava vidrada, com a mão estendida e sem dar palavra. parecia em transe. 'vai se cuidar, mulher. quando você estiver mais equilibrada para trabalhar, a gente se fala. vai a merda!' sai dali a passos largos direto para o hospital. fui doar sangue. nunca se sabe, né? ao chegar em casa, naquela tarde, começaram os sintomas. letargia, sono. delírios. fiquei de cama. isso foi a três dias. hoje de manhã, lembro de me arrastar até o banheiro a fim de tomar um banho que livrasse o quarto do cheiro nauseabundo que o infesta. talvez fosse necessário subir ao telhado e tirar algum gato morto na calha. é esse o motivo do cheiro. mas não tive energias para ir além da banheira que ia enchendo com água morna. me olhei no espelho embaçado. horror. olho opaco, fios de cabelo se soltam ao meu toque...  meu deus! a dentada de cleide infeccionou! pusilânime,pulsante e inchada. não vou à boate hoje. vou voltar ao médico para ele ver essa mordida. meu deus! meus deus! me livra da aids. o resultado do exame só sai daqui a dez dias. entro no banho apavorada. a água morna provoca coceiras em minha pele. ao passar a unha, nacos de carne se soltam de mim e ficam a boiar na banheira.grito e desfaleço.
agora mesmo, não lembro como cheguei ao palco da boate desiree
percebo que uma nova energia me percorre, fazendo com que eu vá alem de todos os movimentos sensuais que o pole dance sempre me pediu. é a fome. sinto ela em meu corpo todo. na carne. nos ossos. com as pernas entrelaçadas no topo do poste, jogo o pescoço para trás para fitar a platéia de cabeça para baixo. sinto um tranco no pescoço que se inclina para trás e assume um angulo impossível para qualquer vivente. os homens batem palmas e gritam meu nome. mais de um se masturba. outros esticam o braço para pegar os tufos dos meus cabelos que vão se esparramando no chão do palco. levam ao nariz, fazem caras de náusea e vomitam jorros. giro a cabeça. balanço os braços. jogo a perna direita para o alto para finalizar com um rodopio, mas meu fêmur  se desloca da pelve. não me assusta a ausência da dor ao tocar a minha perna manca e desconjuntada no chão. a platéia a essa altura começa a jogar notas de variados valores para que eu não interrompa a performance alucinante e macabra. não esta nos meu planos parar agora. a dança me inflama.  puxo para o palco um espectador mais afoito que se dobrava sobre o palco com a mão estendida. sinto o medo em seu cheiro quando ele olha meus olhos leitosos. ele tenta se esquivar e sair do palco, mas o entrelaço pelas costas em um abraço frio e paralisante. passo a mão em seu peito por debaixo da blusa. solto seu cinto e e enfio a mão por dentro da suas calças até tocar seu pau. o homem grita. faltou-me, talvez, delicadeza. quando o viro para mim, vejo lágrimas nos seus olhos. o cheiro de sangue invade minhas narinas. sangue? sim. nas minhas mão. solto ele assustada. ele cai ajoelhado com a mão entre as pernas. ele grita e chora como um menininho. como um menininho... fome. me agacho, pego seu queixo e lhe beijo. ele reluta. tenta se afastar. é tarde.
ao fim do beijo, estou a mastigar o seu lábio inferior. notas de cem e de cinquenta são arremessadas com sofreguidão. a platéia começa se descontrolar. corre corre. eles começam a rasgar as roupas. uivam. tomada por esse frenesi, levanto o saco de carne que virou aquele homem depois do meu beijo. rasgo sua camisa junto com seu tórax. o seu sangue me tinge e escorre pelo palco. a musica acaba. a platéia, muda, suspende a respiração por um minuto incontável. os homens me olham com caras pasmadas. tenho na mão direita um coração ainda pulsante. a balburdia recomeça entre a platéia: 'agora eu! eu! dança comigo, por favor! eu! eu! EU!' 
cravo os dentes na primeira refeição desse meus novos dias.









quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012




VIÚVO DE ISA


 


quando conheci o isaías eu tinha doze anos. brincava eu de barrar o esgoto que passava fininho na porta lá de casa com pedras. ele parou de escort XR3 bem onde eu tava e disse assim: 'ô menino, vamu ali comigo tomar um lanche?'. eu menino fiquei olhando acocorado pensando em pão com mortadela. nem lembrei de fabrício meu irmão dizendo quem isaías era. entrei no carro mesmo de short, havaiana e sem camisa.
eu não tava ali brincando de pedra no esgoto a toa, não. eu queria ir pra rua, mas os meninos ficavam ali me xingando e passando a mão na minha bunda. me chutando. e nessa mesma manhã eu tive que brigar com um deles lá no morrão. e como sempre, eu chorei. que de raiva! eles riram. e eu tava ali meio que preso em casa, cheio de pedra na mão... ai veio isaías me levando lá pro socorro pra tomar laranjada. ele já usava aqueles óculos engraçados nessa época e como ele me fez rir imitando os menudos. nesse dia mesmo ainda teve misto-quente, beijo e boquete. dai pra frente eu via isaías todo dia. era na escola ou na rua. eu entrava naquele escort como se num conto de fada. que tava mais pra foda, né? isaía era muito foda! com ele me libertei para o que sou. ele me dava confiança e até as notas da escola melhoraram. os moleques já não me perseguiam mais. mas em casa é que desarranjou... não demorou pra fabrício meu irmão me ver de voltinha na piraporinha com isaías. vixi! me bateu, xingou e disse o que mãe pensaria em me ver andando com esse tipo de gente. tadinho de meu irmão fabrício... acho que ele não lembrava que mãe era o tipo de gente que, abandonada, abandonou eu e ele pra não ver a gente passando fome dentro dos madeirites...
essa surra foi numa quinta, no domingo eu já tava num barraco lá na dança cigana que o isaías alugou pra mim. e foi isso. dai vivemos ali no vaz de lima esses últimos oito anos em um casamento feliz. eu sabia pelo alto o que o isaías fazia por ai, mas ele não merecia morrer assim. nem em bicho se dá esse monte de tiro no cú. fazer o que? seguir a vida. trabalhar pra acabar a faculdade...

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012



EMILIANO SOFRENDO



 





em sua adolescência, emiliano participou de uma experiencia do governo.
junto com outros mancebos, internou-se em uma instituição não localizada e lá ficou por uns quatro anos, quando deveria ficar dez. o que aconteceu de fato naquele espaço tempo é uma incógnita que nunca saberemos, pois o que vamos tratar aqui é que dezoito anos depois, graças ao advento do facebook, alguns daqueles não mais jovens  resolveram se encontrar. podia ser em um domingo. podia ser no ibirapuera...  emiliano ficou enojado e repudiou a possibilidade de dar forma aquelas sombras que lhe vinham quando se lembrava daquela época. fez que não viu as postagens do convite, até ver adriana nas conversações.
emiliano molhou a sola dos pés em sensações. pensava nunca mais ver aquele cabelo sedoso, a pele mais clara que já tocara... naquele tempo mesmo ele já não lidava bem com elas. foi com fusão que emiliano se meteu com adriana dentro do armario da area de serviço em uma tarde de sabado. o flerte entrou em erupção ali entre tanques e sabão. o encanto acabou com o flagra do monitor. relação daquela natureza era cabível de expulsão do projeto. ele quase não aguentou o olhar da irmã, que era mãe e pai também, na manhã em que retornou de mala e cuia. ela foi quem arranjará aquela boquinha para ele ganhar um dinheiro enquanto aprendia coisas. e agora? emiliano não parou. logo arranjou emprego em uma livraria que o livraria do mal estar em casa ouvindo as lamurias da irmã. foi indo para o trabalho que um dia conheceu clara, com quem namorou, casou e não teve filhos. nem quiseram saber porque. adotaram edgar, criança pequena e frágil que morreu em dia de festa. não demorou muito para que clara também se fosse, morrer em vida. emiliano nunca mais a viu e nem saiu de casa em paz. tudo o acusava. tudo o fazia lembrar dos desacertos da sua vida. e mais essa agora: adriana ali dizendo que ia no encontro. um dia, ao abrir o facebook, viu a mensagem vermelha de adriana. ela dizia estar feliz em acha-lo na rede social e que ela só iria no encontro dos antigos alunos se ele também confirmasse presença. emiliano não confirmou, não respondeu e sofreu até a data marcada do encontro. vestiu uma roupa sóbria e se meteu no ônibus que o levaria até o parque. sabia de tudo: o horário, o lugar, quem iria... foi e ficou de longe vendo a movimentação. e eles foram chegando. umas doze pessoas. muito menos das que disseram que iam. reconheceu silvana, geórgia e teresa. ninguém mais. nem ele mesmo, que se perguntava o que fazia ali assistindo aqueles sorrisos de longe. mas ele sabia. ele sabia que tinha ido ali pra ver se adriana iria ao piquenique independente da presença dele. se o que ela dizia era verdade e se ele teria alguma chance de ser feliz, caso adriana entrasse na vida dele novamente. mas ela não apareceu no piquenique e ele ali também não foi. ficou em um banco afastado, observando as pessoas tirando fotos abraçadas, vinho, pães e frutas sendo consumidos em meio a gargalhadas. o que poderia ele fazer ali? convivera pouco com aquelas pessoas e não tinha o menor interesse em saber o que eram elas hoje. e se perguntassem da vida dele? nunca que ele teria coragem de dizer que pôs fogo no filho que nem dele era ao tentar ascender a churrasqueira naquele maldito domingo. a explosão do álcool, o cheiro da carne, os gritos... tudo ainda habitava a vida de emiliano. nunca superaria. se alguém perguntasse, nunca que conseguiria dizer simplesmente: 'não tive filhos.' viu as pessoas se despedindo e se irem para o que ele imaginava ser uma vida melhor do que a dele.
chegando em casa, emiliano excluiu seu perfil do facebook.

sábado, 4 de fevereiro de 2012









são esses difíceis dias
para se fazer poesias.
ai se não fosse maria
(a quem chamo luciana)
nada saia essa semana.

fico vendo pinheirinho
caindo à cassetadas
e sinto a alma apertada;
parece que sonho sozinho.

será eu tão minoria
que a vontade que me guia
é um crime condenado?

sigo nessa via sacra
aonde a policia massacra
o povo em nome do estado.

até quando mastigar
esse suflê de sofrer?
a vida não tem ouvido.
o mundo é mudo, surdo
e absurdo.
eu quero parar com meus ais,
beijar mais e fazer haicais.
mas a vida vem cobrando uma lida
bem maior que a permitida.

permeio-me de esperanças.
sentimento que só tem cabimento
aos tristes...

dedo em riste.
caneta quente.
faço essas rimas pobres
solidário à minha gente.