terça-feira, 8 de maio de 2012




A FARRA E O BOI


 



meu pai nasceu temporão e já com aquele irmão que chamavam guto.
esse meu tio, junto ao meu avô, tocava a fazenda com doze cabeças de gado em vez que meu pai nasceu.
minha vóinha tangia os três.
mas foi com meu tio guto que aconteceu o legal. se é que foi pra ele.
porque eu mesmo nunca nem falei com ele ou vi foto.
foi assim: ele já tinha dezesseis e era folgazão, tocava um violão e, vez em quando, tomava um pifão. namorava. ficava por ali em são francisco do conde, são félix, cabuçu e santo amaro. entre a criação e o mar. suas duas paixões. era o pastor daquelas cabeças que se guiavam pelo cajado do aboio afinado que meu tio entoava.
isso quem conta é vóinha, que precisou vir de lá por conta das dores. se trata aqui pertinho no einstein.
meu pai mesmo nunca falou do tio guto assim. tio guto.
o povo achava engraçado aquele moço festeiro que trazia a sua platéia bovina pára onde tava a farra.
pois era isso mesmo. o gado da fazenda seguia o meu tio pra cima e pra baixo, de dia e de noite para onde ele fosse, bastava ele aboiar quatro ou cinco tons.
em dia de festa, os bicho ficava ali tudo quietinho pastando e muitas vezes até dormia até duas, três, quatro horas da manhã quando meu tio tinha que ir para o trabalho depois do sono rápido. sempre o gado na rabeira.
meu avô não gostava muito disso, não. quanto aos afazeres, meu tio era produtivo e detreminante na renda que geria nossa familia. mas as noitadas, as cantorias, as damas na garupa...
tudo isso afetava o humor do meu avô. via tudo com maus olhos que eclipsavam as virtudes de meu tio guto. chamava-o mandrião.
com vinte e dois, vovô disse ao meu tio que mendes lhe tinha arrumado trabalho na petrobrás. que fortuna! tanta gente na região querendo uma boquinha daquela... e o gado, pai? será reduzido, guto.
parcela do salário de meu tio guto supriria a diminuição do trabalho na fazenda.
de quatro cabeças dou conta do leite e do corte, disse vovô.
meu tio juntou umas poucas coisas e se foi para a plataforma de candeias trabalhar como auxiliar de soldador. três meses em alto mar logo na primeira ida. mergulhava de escafandro.
até tava gostando daquele mundo novo que ele tanto quis saber outrora. via tanto cardume, polvo, tanta raia, tanto brilho de solda... um dia viu um cação de uns três metros!
tudo isso ele disse pra vóinha quando ele voltou antes dos três meses por conta do acidente.
porque teve um acidente. um parafuso rompeu do capacete do meu tio guto à uma profundidade de quarenta metros. se meu tio não é de circo, morria afogado lá. chegou à tona vivo e, ao acordar no hospital, viu que nada mais ouvia. a pressão do fundo do mar rompeu os tímpanos do meu tio guto.
aposentou nessa idade com salário da época.
ao voltar pra fazenda, encontrou um meu avô arrependido e solicito em aprovar todas as excentricidades do meu tio guto, que não eram muitas.
com quase sessenta, meu tio guto é que vive lá tangendo o gado, tocando viola e gemendo alto com as raparigas em seu mundo tranquilo e silencioso.

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