segunda-feira, 19 de março de 2012







O TRIANGLI
 



quando eu recebi a carta de heraldo dizendo que tinha trabalho pra mim em são paulo, senti um bumbo no peito. a oito meses ele tinha saído de jequié rumo as incertezas da cidade grande. eu só não fui com ele na ocasião porque mãinha não autorizou a aventura. 'tá doido, meu filho. sair daqui sem garantias pra morrer de fome em são paulo? morra por aqui mesmo...' a carta agora era o meu passe livre. a minha garantia. heraldo era meu amigo da vida toda e sabia que eu dependia daquela carta para me ir. a lavoura na caatinga já não representava muita coisa e eu sustentava a família com a caça que eu trazia da zona da mata. me doía ver meus sobrinhos agoniados de calor e fome. a pensão que mãinha recebia desde a morte de painho, era tão defasada que mal dava pra farinha. foi esse o cenário que deixei para trás ao embarcar no são geraldo com promessa de mandar um dinheirinho todo mês. o ano era setenta e três e quando desembarquei na luz, logo me encantou o colorido na fachada da rodoviária. mas bastou algumas horas para eu perceber que o colorido se limitava apanas aquelas placas de acrílico. era mês de junho e tanto prédio e garoa deixava tudo cinza. na tiradentes peguei um ônibus que me levou até a brigadeiro luis antonio, lugar onde residia heraldo. ele ficou radiante em me ver ali em pé na calçada com a velha mala de papelão que tinha sido de meu avô. não tinha como avisa-lo da minha vinda. seu eu tivesse escrito uma carta confirmando, na certa eu teria chegado primeiro. nessa noite tomamos caipirinha e ouvimos rádio até tarde da noite. e que noite. nunca tinha passado tanto frio em minha vida e os poucos panos que heraldo providenciou para que minha cama fosse feita no canto, não impediram que meus ossos congelassem e a vontade de estar em casa me assombrasse. na manhã seguinte, eu e heraldo fomos andando até o canteiro de obra no itaim bibi, onde ele me apresentou para nelson que pegou minha certidão de nascimento e já me registrou como auxiliar de servente. o trabalho era duro. não dava tempo pra pensar no frio e na saudade de casa. as horas vagas eram preenchidas com o carteado lá na pensão, idas ao parque do ibirapuera e no forró do zé lagoa em pinheiros.
o nosso quarto de pensão era na verdade um porão. fora a porta que ficava sempre aberta para o quintal, a única ventilação era uma gradinha que dava pro nível da rua, aonde só víamos os pés dos paulistanos apressados andando pela brigadeiro. mesmo parecendo ruim, o quarto era amplo e limpo. de vez em quando , lá eu botava flores que trazia do parque para lembrar de mãinha e agradar a vista.  era ali que eu e heraldo dividíamos nossas esperanças e coabitávamos em harmonia. o tempo foi passando. outras obras se engatavam nas que terminavam e eu e heraldo eramos dois irmãos. era assim que a gente se apresentava. e foi assim que ele me apresentou para odete, morena mineira que trabalhava em casa de família no jardim europa. heraldo já tinha falado da mulher boa que dançou com ele a noite inteira no forró e ria fácil. só falava nela na verdade. não dei muita importância quando ele a levou lá na brigadeiro em uma tarde de sábado e ficamos ali ouvindo amado e tomando caipirinhas. era ela mesmo muito irreverente e ria de todas as histórias que a gente contava. antes de se ir, odete deixou a pia limpa e fez uma panela de feijão que serviu para a marmita dos dois a semana inteira. delícia. e no outro fim de semana ela veio de novo. e no outro...
ela vinha e trazia o bem estar junto. ficávamos ali os três fritando batatas, tomando sangue de boi e ouvindo os melhores forrós que a radio américa tocava naquela época. era assim os nossas tarde de sábado. a noite, lá ia eu para as farras deixando os dois parentes entregues aos amores. domingo, quando eu acordava às duas, elá já estava lá rindo e querendo saber de namoradas que eu arranjara. eu desconversava porque o meu lance era a obra, a dança no salão e mandar o dinheirinho de mãinha todo mês. era esse o foco. até que sobrou um pra eu e heraldo comprarmos uma brásilia setenta e seis. zerada. cada um deu uma parte da grana. só dava nós três pra cima e pra baixo naquela caranga. fomos eu, odete e heraldo pra são vicente numa manhã de sábado. e eu acho que foi ali que tudo começou. o sol, o mar, as batidas de limão... tudo conjuminou para que eu visse odete com outros olhos. foi ali naquela areia cinza cimentada que prestei atenção o quão bela ela era. companheira. cuidadeira. quis ela pra mim em segredo. e ela também já tava me querendo, pois em menos de uma semana dessa nossa viagem, ela lá na pensão disse a heraldo que o coração dela tinha mudado. e apontou eu. a gente tava no meio de uma bebedeira de sábado e vi que ia dar besteira. mas foi só impressão... heraldo disse que entendia e que assim que resolvesse o problema da habitação, iria se mudar para deixar os parentes em paz. calado que eu tava, calado fiquei. abri os braços assim e sai sem rumo até um tanto assustado. quando voltei tarde da noite, cada um tava numa cama. odete na minha de canto. deitei ali com ela sentindo todo o cheiro novo e adormeci. na manhã seguinte tudo estava igual. batata frita, vinho e forró. não sei o que eles acertaram na minha ausência, mas o tempo passou e heraldo não se preocupou em arrumar nova casa. e nem ninguém. morávamos os três juntos agora e a cama de canto ficou para odete que a forrava com uma  colcha verde ou amarela, conforme o seu desejo. a verde era de heraldo. a amarela, minha. ainda hoje, chamamos odete de flor.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

muito obrigado por comentar neste blog. só não esqueça que a trema caiu e que berinjela é com J! não leve a mal. estou avisando para que você não passe vergonha na frente dos outros comentaristas.