segunda-feira, 3 de outubro de 2011


CRIMES PASSIONAIS





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almerindo acordou um pouco mais cedo aquele dia.
levantou com cuidado para não acordar a esposa e se enfiou lá pro banheiro.
cagou, se escovou e foi tomar seu café.
na mesa, esperando a cafeteira velha passar o pó, devaneou as possibilidades que lhe
poderiam ser abertas naquele dia.
essa geladeira velha mesmo, cheia de conta pregada, vai rodar.
tomou só o café, pôs o sapato no pé e ganhou a rua.
desceu a ladeira já movimentada pelo povo que segue para o trabalho às sete e quarenta e cinco.
ascendeu um cigarro quando já ia chegando no ponto e lá sorveu sua nicotina, sem o bandeira
passar.
quando veio, conseguiu subir. não passou a catraca. ficou ali em pé observando cada rosto
dentro do ônibus. e não eram poucos. atentou-se especialmente a uma senhora de uns cinquenta e
poucos anos em pé lá no fundão. poderia ter menos. cheia de sacola. era ambulante. 
estava ali carregando sua mercadoria, pesada como a vida.
almerindo formulou uma vida toda para a tiazinha, mas esbarrou nas dúvidas que fariam com
que ela não estivesse dentro desse busão lotado agora.
onde estavam seus pais? seus filhos? o marido que deveria dar-lhe uma vida estável para que
ela não estivesse aqui camelando? ficou puto com a tiazinha. teve a impressão que ela era
uma pessoa insuportável!
na altura da ibirapuera, livrou um lugar. preferiu continuar em pé. não ia trabalhar mesmo
aquele dia. ia andar pela cidade atrás de um sinal. uma certeza. sei lá...
desceu no final e já subindo as escadas rolantes, resolveu que iria dar um rolê no anhangabaú.
almerindo, que não queria fazer nada hoje, só bater perna, achou o lugar aprazível para sentar
e continuar com suas análises faciais. sentou ali no jardim da são bento e ficou vendo o povo
passar. viu o empresario, o oficce-boy e a vendedora. foi obrigado a ver também a puta.
não mais de trinta anos. com o peso de sessenta. lembrou da tiazinha do buzão e pensou também nos
pais da puta. ficou ansioso sem saber. quis sair dali e saiu. entrou pela direita e andou até
a florêncio. ia dar uma olhada nos equipamentos de seu possível açougue. almerindo era
açougueiro. dos bons. desde menino na pecuária. em são paulo fez carreira no extinto eldorado. 
o empresário comprou a rede e ele foi dispensado. desde então só bicos nos
açougues da quebrada. salário de merda. os dois filhos necessitosos. há meses não pingava
um trampo pra fazer.e só sabia fazer aquilo...
não teve muito ânimo pra fazer pesquisa de preços.
essa atividade tomaria seu tempo e sua atenção. isso não podia acontecer! 
estava atrás de um sinal.
virou à esquerda e se viu perto da estação da luz.
lugarzinho deprimente! bem lembrou quando desembarcou na rodoviária velha e seu
primeiro contato com são paulo foi a velha estação. já existia toda aquela fauna que por ali
circulava. se misturou às dezenas de pessoas que entravam no prédio e ficou debruçado na
passarela interior da estação, vendo o vai-e-vem dos trens. pensou em dona regina.
tocou o molho de chaves no bolso da calça e lembrou de seus meninos e do sinal. 
olhou para o teto da estação e deu um grito alto. gutural:  "ahhhhhh".
nem foi percebido. afora umas duas mulheres que se desviaram dele, no momento exato do
grito. no mais, tudo seguia como há minutos atrás. e  almerindo se foi...
pagou a passagem e pegou o trem rumo a estação estudantes, em mogi. lá descendo, comeu
numa lanchonete perto da estação e pegou o ônibus que tinha o nome anotado em um
papel, junto com um endereço e a data de hoje. desceu num lugar ermo; via-se que
por ali existiam muitas chácaras. ele ia em uma específica. andou pelas ruas de terra até o
endereço que tinha decorado. sacou o molho de chave, abriu o grande portão e adentrou-
se na propriedade. tinha também a chave da casa, que estava em total silêncio quando ele
fechou a porta atrás de si.
era uma casa muito elegante para aqueles cafundós.
subiu as escadas e falou num tom baixo: "dona regina..."
a resposta veio de um dos quartos: "aqui".
entrou no recinto suando frio e viu a velha senhora deitada na cama. muito abatida pelo
cancêr de cólon, drenando sua vida aos poucos. as altas doses de morfina já não lhe
atenuavam as dores. sem olhar para almerindo, a velha senhora falou: "você veio!"
"bem à contra gosto! rezei muito por um sinal que me dissuadisse dessa situação."
"eu rezei bem mais que você, almerindo. coma alguma coisa na cozinha..."
"já comi."
"você não tocou em nada da casa, né?
"não."
almerindo olhou para dona regina e cogitou estar naquela situação um dia.
se fosse hoje morreria a míngua em casa mesmo. sem dinheiro para remédio ou para os
devidos cuidados que aquela doença pedia. o que pedia aquela doença?
"então? vamos?" disse a velha senhora num fio de voz.
"vamos!"
"está tudo ali, dentro daquele armário. não esqueça as luvas."
"já estou com elas."
almerindo abriu a porta do móvel e lá estava uma pistola 765 com silenciador e uma grande
sacola com os noventa mil reais em dinheiro que tanto lhe afligira.
não mais naquele momento. pegou a arma e disparou duas vezes no peito da velha senhora ali
deitada.
botou a ferramenta dentro da bolsa de dinheiro, desceu as escadas e saiu da chácara chorando.



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'cara, mataram o amintas!'
foi assim, seco, que o nogueira me deu a noticia da morte do nosso amigo de infância.
morávamos todos em osasco e ainda existia o campão e o eucalipal  que circundava todo aquele terreno abandonado .
era lá que faziamos nossas brincadeiras: policia e ladrão, futebol, rally de bike.
no verão íamos lá também a noite; pega-pega, esconde-esconde... as meninas também brincavam.
e foi por volta dessa época que percebi que o amintas teria problemas. enquanto alguem batia piquis, ele falava para a primeira cocota que via pela frente: 'vem por aqui que ninguém nos acha!' e não achava mesmo! se embrenhava nas arvores com a menina e la vinha o papo: 'fica ai abaixadinha que eu fico olhando se ele vem'. a menina abaixava e também olhava ele vindo. via o volume se formando no short do amintas cada vez mais próximo da cara. muitas gostavam. outras nem percebiam. mas também era comum algumas meninas voltarem correndo e gritando: 'não vou mais brincar! o amintas é um porco! vou falar pro meu pai..." e logo vinha ele com a mão no bolso e aquele sorriso que virou sua marca registarda. derretia qualquer um. era perdoado no ato.
fomos crescendo, e com o amintas, também foi crescendo a atração pelo sexo oposto. de forma descabida. 
com treze anos já era um rapazote taludo e sedutor. já tinha pego todas as menininhas da escola. morríamos de inveja das histórias que ele deixava subjetivamente no ar sobre suas aventuras amorosas. tenho certeza que ele comeu a paulinha da sexta série. ao resto da garpotada, restava  punhetas...
foi por volta dessa época que estourou a bomba: a dona estela tomou uma puta sova do marido que insistia em saber quem era o filho da puta que tava comendo ela em quanto ele saia para o trabalho.
o pega pra capar se estendeu para o meio da rua. lotada. as lapadas estralavam quando batia no corpo semi nu de dona estala. 
a pobre, não aguentando mais aquele martírio, entregou: 'amintas! é o amintas! ele, em sua pouca idade, é muito mais homem que você, frouxo covarde!' silêncio total. cadê o amintas que tava aqui?
tocou ligeiro pra casa e ficou esperando o corno chegar para mata-lo. ou a sua mãe.
mas ele não apareceu. nunca mais.
naquela mesma noite, enfiou tudo o que tinha dentro de uma perua (inclusive a dona estela) e sumiu no mundo.
no dia seguinte, amintas era o assunto da escola. ela veio ele com o sorrisão e uma nova mania: mulher casada.
'não pega no pé, não quer que leve na festa, não pede presente. é só arrebento! 
e ainda por cima, se me vê com outra, não pode falar nada...'
ficou malquisto pelos homens casados do bairro. a curiosidade das mulheres ficaram com fome. comeu também todas as coroas do bairro, desconfio até que minha mãe, que já não vivia assim tão maritalmente com meu pai.
cortei relações com o amintas na adolescência, quando ele arrumou um trabalho de continuo, comprou um carro e foi passar seu cerol em outras bandas. eu passei em um concurso da petrobras e fui morar em campos onde eu era devotadíssimo ao meu trabalho e formei família.
passados uns doze anos, voltei para são paulo para acompanhar a doença de meu pai que já ia terminal. transferido para a unidade de barueri, a casa ficava aos cuidados de rita, minha mulher.
qual não foi minha surpresa quando, naquela mesma semana, chego do trabalho e lá esta o amintas na cozinha da minha casa, gargalhando com a mulher da minha vida. fiquei pálido. senti um vazio no estomago, mas disfarcei aquele mal estar. cumprimentei o velho amigoi e fiz sala para ele até umas onze da noite, quando tive a brilhante idéia: 'vamu tomá uma lá no farol? que nem que antigamente...' ele topou e se despediu dizendo:
'prazer em conhecer, rita. logo eu volto para tomar esse café delicia que você faz novamente...'
pensei com meus botões: ' ah vai...'
ganhamos a rua.










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