sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012







CARNIVAL






como eu vim parar aqui?
os homens me olham assombrados e urram. eu  não sei qual foi meu ultimo movimento, mas nem por isso, paro de dançar. minha ultima lembrança é ver o espelho embaçar quando refletiu meu rosto pálido e febril. a dias sinto meu corpo gritar como nunca antes. febre. queda de cabelo. fome. meu olho esbranquiça numa catarata acelerada. minha aparência assusta. tive essa mesma sensação ao ver cleide, minha esteticista de tantos anos, em nossa ultima seção de lifting. na minha profissão, o corpo é o essencial, é o produto que ofereço. e o cliente quer sempre o melhor... chocou-me o ar cadavérico que cleide trazia em seu corpo curvado.
pensei em aids, mas não comentei nada. discrição é tudo. senti seu toque pegajoso enquanto espalhava o creme no meu rosto. fechei os olhos afim de relaxar enquanto ela trabalhava.  foi nesse momento que cleide me mordeu. levantei assustada e sem acreditar no desparate da situação. cleide sempre foi amiga e confidente. sabia que era casada e tinha amantes. tinha uma libido incontrolável pelos homens. o que significava aquela investida?
'sua louca! o que pensa que esta fazendo? virou bicha agora, é? porra! que merda, cleide! como vou trabalhar com essa marca no pescoço?' ela me olhava vidrada, com a mão estendida e sem dar palavra. parecia em transe. 'vai se cuidar, mulher. quando você estiver mais equilibrada para trabalhar, a gente se fala. vai a merda!' sai dali a passos largos direto para o hospital. fui doar sangue. nunca se sabe, né? ao chegar em casa, naquela tarde, começaram os sintomas. letargia, sono. delírios. fiquei de cama. isso foi a três dias. hoje de manhã, lembro de me arrastar até o banheiro a fim de tomar um banho que livrasse o quarto do cheiro nauseabundo que o infesta. talvez fosse necessário subir ao telhado e tirar algum gato morto na calha. é esse o motivo do cheiro. mas não tive energias para ir além da banheira que ia enchendo com água morna. me olhei no espelho embaçado. horror. olho opaco, fios de cabelo se soltam ao meu toque...  meu deus! a dentada de cleide infeccionou! pusilânime,pulsante e inchada. não vou à boate hoje. vou voltar ao médico para ele ver essa mordida. meu deus! meus deus! me livra da aids. o resultado do exame só sai daqui a dez dias. entro no banho apavorada. a água morna provoca coceiras em minha pele. ao passar a unha, nacos de carne se soltam de mim e ficam a boiar na banheira.grito e desfaleço.
agora mesmo, não lembro como cheguei ao palco da boate desiree
percebo que uma nova energia me percorre, fazendo com que eu vá alem de todos os movimentos sensuais que o pole dance sempre me pediu. é a fome. sinto ela em meu corpo todo. na carne. nos ossos. com as pernas entrelaçadas no topo do poste, jogo o pescoço para trás para fitar a platéia de cabeça para baixo. sinto um tranco no pescoço que se inclina para trás e assume um angulo impossível para qualquer vivente. os homens batem palmas e gritam meu nome. mais de um se masturba. outros esticam o braço para pegar os tufos dos meus cabelos que vão se esparramando no chão do palco. levam ao nariz, fazem caras de náusea e vomitam jorros. giro a cabeça. balanço os braços. jogo a perna direita para o alto para finalizar com um rodopio, mas meu fêmur  se desloca da pelve. não me assusta a ausência da dor ao tocar a minha perna manca e desconjuntada no chão. a platéia a essa altura começa a jogar notas de variados valores para que eu não interrompa a performance alucinante e macabra. não esta nos meu planos parar agora. a dança me inflama.  puxo para o palco um espectador mais afoito que se dobrava sobre o palco com a mão estendida. sinto o medo em seu cheiro quando ele olha meus olhos leitosos. ele tenta se esquivar e sair do palco, mas o entrelaço pelas costas em um abraço frio e paralisante. passo a mão em seu peito por debaixo da blusa. solto seu cinto e e enfio a mão por dentro da suas calças até tocar seu pau. o homem grita. faltou-me, talvez, delicadeza. quando o viro para mim, vejo lágrimas nos seus olhos. o cheiro de sangue invade minhas narinas. sangue? sim. nas minhas mão. solto ele assustada. ele cai ajoelhado com a mão entre as pernas. ele grita e chora como um menininho. como um menininho... fome. me agacho, pego seu queixo e lhe beijo. ele reluta. tenta se afastar. é tarde.
ao fim do beijo, estou a mastigar o seu lábio inferior. notas de cem e de cinquenta são arremessadas com sofreguidão. a platéia começa se descontrolar. corre corre. eles começam a rasgar as roupas. uivam. tomada por esse frenesi, levanto o saco de carne que virou aquele homem depois do meu beijo. rasgo sua camisa junto com seu tórax. o seu sangue me tinge e escorre pelo palco. a musica acaba. a platéia, muda, suspende a respiração por um minuto incontável. os homens me olham com caras pasmadas. tenho na mão direita um coração ainda pulsante. a balburdia recomeça entre a platéia: 'agora eu! eu! dança comigo, por favor! eu! eu! EU!' 
cravo os dentes na primeira refeição desse meus novos dias.









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